“ENTRE CHIEN ET LOUP”: O AUTISMO E O PONTO DE VISTA DA PSICANÁLISE

Márcia Maria da Silva Cirigliano

Resumo


A expressão francesa que significa “área de formas indefinidas, onde haveria certa obscuridade” (GILLIE, 2014) foi escolhida para intitular o Quinto Colóquio parisiense LaVoix[1]. Este trabalho é parte de um capítulo para tese de Doutorado que aborda os diversos discursos que se entrelaçam na clínica do autismo. São mobilizados os conceitos de discurso, em Michel Pêcheux (2008 [1983]) e voz em Jaques Lacan (2003 [1962]). Tal recorte se faz a partir de pesquisa, onde se examinam falas de mães e profissionais que se relacionam com autistas do Instituto Benjamin Constant, escola para cegos no Rio de Janeiro.  Os autistas são encaminhados a atendimento em Musicoterapia quando alguns comportamentos inusitados atrapalham a rotina escolar. Um atendimento musicoterápico se inscreve a partir da própria definição de Musicoterapia: utilização da música como elemento terapêutico (Bruscia, 2000). Aí não se prioriza tanto a estética ou o virtuosismo musical na performance; os elementos musicais são utilizados para possibilitar a que o paciente se expresse e é a partir disso que se vai construindo o fazer musical. A música ajuda a minimizar, por exemplo, situações de agressividade inadequada e as mencionadas falas vão se modificando, de acordo com os resultados. Segundo Bidaud (2014)[2], o autismo nos dias atuais é, clínica e teoricamente, uma patologia, sendo importante que se mantenha essa obscuridade em torno do termo. Tal obscuridade abriga divergências até quanto a ser o autismo uma patologia (Boni, 2014)[3].  A expressão ‘entre chien et loup’ faz-se interessante porque impede que tenhamos certezas absolutas ante um quadro complexo de um comportamento repleto de nuances. Manter uma área obscura favorece novas reflexões e não ‘engessa’ o autista nesse ou naquele procedimento ou tratamento. É na teoria psicanalítica que encontramos, na tese em andamento, referencial teórico para apoiar a discussão sobre o autismo, discussão essa que remonta desde a conceituação de Kanner (1943) até os nossos dias. O que nos interessa neste trabalho é pensar, com o intuito de contribuir à Análise de Discurso, nesse espaço de vazio, esse ‘gap’ que as definições e a própria complexidade diagnóstica do autismo fornecem. Entre o que lemos nos manuais de psiquiatria e o que se publica atualmente, algo falha, algo não está dado, pois basta uma resposta inovadora de um autista em atendimento para impedir-nos ao estabelecimento de uma regra geral. Ainda assim, nesse terreno enigmático, arriscamos contribuir, trazendo a possibilidade de pensar o autismo a partir das respostas de crianças e adolescentes autistas à música. Verificamos que tais respostas modificam o lugar dado a essa criança/ adolescente nas falas de suas mães e profissionais que com eles trabalham.

Palavras-chave: Discurso; Autismo; Psicanálise; Música.


[1] La Voix, entre Chien et Loup, Universidade Paris Diderot, 4 de junho de 2014.

[2] Coorientação de 19 de junho de 2014 para bolsa-sanduíche, na Universidade Paris 13, fornecida pela CAPES, de maio a setembro 2014.

[3] Entrevista concedida para tese de doutorado, Paris, julho 2014.


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