DO ORAL AO ESCRITO: A INSTÂNCIA DA LETRA NO INCONSCIENTE

Ana Claudia Moraes Merelles Bezz

Resumo


A presente pesquisa tem como tema principal a investigação da passagem do oral ao escrito, considerando a instância da letra no inconsciente. Como eixo teórico, adotamos as formulações de Michel Pêcheux e da Psicanálise, a partir de Freud e Lacan. O objetivo principal é problematizar a função da letra de acordo com a orientação lacaniana e da leitura do texto freudiano, marcando a diferença do que viria a ser letra do alfabeto e letra enquanto instância, fundadora do psiquismo. Situamos nosso estudo num campo que traça fronteiras entre a Análise do Discurso e a Psicanálise. Partiremos da perspectiva de que a complementaridade entre uma disciplina e outra consiste numa ilusão. Desta forma, nossa pesquisa se efetuará nas hiâncias, nos paradoxos, nas junções e disjunções dos dois campos teóricos mencionados. Qual articulação possível entre esses dois campos? No artigo intitulado Lacan, Mariani e Magalhães (2013) apontam que há uma “heterogeneidade irredutível dessas disciplinas, mas que isso não impede ou invalida que se trabalhe na articulação entre elas” (MARIANI; MAGALHÃES, 2013, p. 102). Essa perspectiva marca uma posição ética: campos distintos que se entrecruzam e dialogam. Embora esses dois campos tragam diferenças quanto ao objeto, o ponto de junção mais contundente pode ser observado no fato de que tanto a psicanálise quanto a análise do discurso trazem uma noção diferenciada do que venha a ser o processo de comunicação, ou seja, a linguagem não funciona apenas para informar ou comunicar, mas funciona numa equivocação que não só designa, mas funda um sujeito dividido, passível de equivocações. Freud (1900) descobre a escrita do inconsciente através fala de seus pacientes. As manifestações do inconsciente se dão nos tropeços da fala, ou seja, no que falha. Observamos, a partir de então, que a dicotomia entre fala e escrita há que ser reconsiderada. O advento do inconsciente que, estruturado como uma linguagem, divide o sujeito entre saber e verdade, aponta que esses dois processos não são estanque. A letra enquanto primeira marca que distingue o filhote humano do mundo animal há que se inscrever antes mesmo do advento da fala. Podemos dizer que esta primeira marca é fundamental e constitutiva dos futuros desdobramentos do infans rumo à humanização, entendida aqui como a inscrição do sujeito na linguagem. Considerando que o sujeito como efeito de linguagem não coincide com o nascimento do organismo biológico, formulamos uma primeira questão: Como nos tornamos falantes? Considerando por outro lado que a escrita não é mera representação gráfica da fala e que aprender a escrever não se reduz em reter um código que possa registrar o oral, introduzimos mais uma questão: quantas outras passagens uma criança estaria efetuando neste momento da passagem do oral ao escrito? As crianças, nos seus primeiros anos de vida, estão se defrontando com operações simbólicas que deixarão suas marcas ao longo da vida do sujeito: uma perda do ser que se coloca na entrada da linguagem. O sujeito significará esta perda como falta, buscando, em sua existência afora, objetos que possam reparar essa irremediável condição (que o sujeito é efeito de linguagem). No tempo no qual a criança está se apropriando das palavras vindas do Outro para se tornar falante (e também no momento da passagem do oral ao escrito) outras construções psíquicas estão se dando: constituição do sintoma e construção da fantasia. Consideramos que o processo de aquisição da escrita não está disjunto dos passos que a criança precisará efetuar rumo à construção do seu lugar na fantasia: o que o Outro quer de mim?


Palavras-chave: letra; inconsciente; escrita; oral.


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